
O conflito de Canudos surgiu de uma pequena desavença local.
Antônio Conselheiro havia encomendado e pago um lote de madeiras para a
construção de uma igreja no arraial de Canudos.
Como o lote não foi entregue, houve uma ameaça de
ataque à cidade de Juazeiro. O juiz da região pediu ajuda ao governador da
Bahia, que, não conseguindo resolver a situação, solicitou a presença das
tropas federais. Antônio Conselheiro também era acusado de sonegador de
impostos e de ser antirrepublicano, por manifestar-se contra a dissociação
entre Estado e Igreja no casamento – medida surgida com o advento da República.
Esses foram os argumentos oficiais do governo brasileiro para o ataque ao
arraial de Canudos. Este trecho de Euclides da Cunha descreve a situação no
final dos combates: “A luta, que
viera perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, inteiramente”.
Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações de comando,
movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e
por fim a própria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem
distintivos e sem fardas. Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam
resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto
e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava
quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns
vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um
suicídio formidável. Chamou-se aquilo o “hospital de sangue” dos jagunços. Era
um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos
dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o
quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas
na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um
exército. E lutavam com relativa vantagem ainda. Pelo menos fizeram parar os
adversários. Destes os que mais se aproximaram lá ficaram, aumentando a
trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos. Viam-se, salpintando o
acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de fardas e
entre elas as divisas do sargento-ajudante do 39 o, que lá entrara, baqueando
logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a ilusão do último reencontro feliz
e fácil: romperam pelos últimos casebres envolventes, caindo de chofre sobre os
titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os...”